segunda-feira, 27 de outubro de 2014

21 MUSEOLOGIA ENTRE O ESTADO NOVO E A DEMOCRACIA: O CASO DO EX-MUSEU DOS CTT E TLP

«Perdi a conta as vezes em que carinhosamente me ligava quando eu estava no fundo do poço [...]» (1)
Novo conservador e edifício sede exclusivo para o Museu dos CTT

Em 1959 assumiu funções de conservadora-chefe a Drª Maria da Glória Pires Firmino. Durante o período em que esteve à frente do museu (1959-1986), este foi transferido da Rua das Picoas, 7 – 2º andar e da Rua Castilho onde funcionavam respetivamente as exposições dos sectores do correio e de telecomunicações (encerradas em 1962), para a Rua de Dª Estefânia, 173-175, reabrindo ao público, nesta última morada, em 1967.
Este edifício pertencera ao Sr. Henrique Maufroy de Seixas, exímio colecionador de tudo o que respeitava à marinha e onde instalara dois andares com espécimes desta atividade. Digamos que o edifício da Estefânia, com interiores ricamente decorados, já tivera tradição nas lides do colecionismo, museologia e documentação. 
O primeiro edifício utilizado por inteiro pelos CTT para servir de museu e exposição permanente foi o da Rua de Dª Estefânia com uma área total de aproximadamente 745 metros quadrados, distribuídos por quatro pisos e ainda um Jardim com cerca  de 340 metros quadrados.
A exposição integrava uma mostra das três principais coleções: correios, filatelia e telecomunicações. Em princípio abriu-se uma pequena parte para exposição temporária mas esta solução acabou por ser posta de parte passando-se a expor as coleções apenas com carácter permanente, ou de grande duração, facto este que, em nosso entender, contribuiu para uma certa estagnação das ideias de renovação, experiência e conceitos de exposição. O museu era bastante frequentado pela população escolar e beneficiou do facto do tema das comunicações estar patente no programas curriculares do ensino básico e secundário.
Na Rua de Dª Estefânia, 173-175 esteve a exposição permanente, serviços técnicos e secretaria até maio de 1985, altura em que a mesma exposição encerrou subitamente ao público, alegadamente porque os CTT constataram que as instalações de água e eletricidade não ofereciam segurança para as coleções. O acervo foi conduzido para as reservas e depósitos dispersos pela cidade de Lisboa.
A exposição traduziu-se nos últimos anos num certo envelhecimento, facto que era reconhecido por alguns entendidos na comunicação e exposição. A conceção era demasiadamente técnica com séries de peças, quase ausência de imagens e objetos de contexto funcional.
No rés-do-chão, expunha-se uma coleção de imagens etnográficas de figuras típicas de Lisboa mas o enquadramento na exposição permanente do Museu dos CTT era precário. Devemos, porém, olhar para este conceito de exposição integrado no contexto temporal.
Em 1967, ano em que foi montada a exposição da Rua da Estefânia, a experiência e formação museológica em Portugal era incipiente. As universidades não tinham a valência de ensino museológico. Os orçamentos atribuídos aos museus eram reduzidos.
Através das Atas do “Colóquio APOM 76 – Panorama Museológico Português” verifica-se que os museus portugueses após uma intensificação das suas atividades de carácter ideológico no que toca à sobre-exaltação nacionalista tem epílogo na exposição d` “O Mundo Português”, de 1940. Decorrida esta apoteose, os museus começam a entrar em crise. O grande público, por sua vez, não se interessava por museus e exposições. As visitas eram, essencialmente, escolares do ensino básico.
Chegou-se aos anos 70 e o panorama museológico estava esgotado de ideias e de capacidade de renovação. Os recursos humanos tinham, grosso-modo, pouca formação. Nesse tempo brincava-se nos CTT e TLP com quem ia trabalhar para o museu dizendo-se, em tom jocoso que iam repousar, tal como as peças do museu. Obviamente, o dito não correspondia à verdade mas a imagem, embora falsa, pesava sobre as pessoas e o museu que era pouco visitado pelos recursos humanos das empresas e pelas famílias. 
O agitar das águas para uma nova política museológica
A mudança do paradigma político, da ditadura para a democracia com o 25 de abril de 1974 vem, também, a nível dos museus, “agitar as águas”. Alguns museólogos começam a apelar para novos valores, tais como a democraticidade e integração nos programas educativos e culturais.
A título de exemplo, Domingos Pinho Brandão no “Colóquio APOM 76” advoga o seguinte: “logicamente, um museu deverá ser uma escola de educação e cultura [...] não se destinando somente aos especialistas, mas a todo o homem mesmo ao menos culto, para que seja mais culto”. (2)
Estas palavras datam de 1976, por altura do colóquio citado. Eram tempos conturbados, em rápida alteração social, cultural e política. Daí a preocupação ao evocar uma ação mais interventiva na linha da democratização do ensino e do país. Na sua intervenção no colóquio, Pinho Brandão, refere a falta de meios, a maneira como fazer face às carências e deixa-nos uma perspetiva sobre o caminho que os museus deveriam seguir:
“Dever-se-á caminhar ainda para museus que constituam unidades de ação no domínio da investigação e estudo. Não temos as possibilidades de alguns museus estrangeiros, nem pessoal técnico e administrativo suficiente, nem dotações, nem meios [...] alguma coisa, porém, já se poderá ir fazendo, com paixão e sacrifício” (3). 
Não era, porém, só nestas áreas que urgia intervir e o próprio Domingos Brandão queixava-se da falta de legislação:
“[...] para além dos diversos tipos de intervenção que enumerei, não basta a boa vontade do Diretores e Conservadores dos Museus. É necessário que os seus estatutos lhes confiram a faculdade de intervir. A nova política museológica deve assegurar tão importante dimensão”. (4)
Notas
(1) in PPS Image Bank, sem indicação de autor, recebido por e-mail em 2014
(2) BRANDÃO, Domingos de Pinho. – Intervenção dos Museu nas Áreas da sua Localização in Atas do Colóquio APOM 76: Panorama Museológico Português – Carências e Potencialidades. Porto: 1 a 5 de dezembro de 1976, ed. APOM, 1979, p. 35
(3) Ibid. p. 37
(4) Ibid. p. 38
Fontes
-ANCIÃES, Alfredo Ramos - O Museu dos CTT. Lisboa: Arquivo UNL, 1988/1989. Disponível também em Arquivo do Grupo dos Amigos do Museu das Comunicações
-APOM. Colóquio APOM 76: Panorama Museológico Português – Carências e Potencialidades. Porto: 1 a 5 de dezembro de 1976, ed. APOM, 1979
-HUDSON, Kenneth – A Social History of Museums: What the Visitors Thought. Michigan: Humanities Press, 1975
-POMBA, Graça Maria Veloso Matias Ferreira – O Museu e o Ensino da História no C.P.E.S. Lisboa: Escola Preparatória Luís António Verney, ano letivo de 1971-72. Disponível também em CDI da Fundação Portuguesa das Comunicações. Estágio realizado no Museu dos CTT
RIVIERE, Georges-Henri – Muséologie Générale Contemporaine. Paris: Université de Paris, 1972

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