quarta-feira, 9 de julho de 2014

12 AS COMUNICAÇÕES À DISTÂNCIA E A I GUERRA MUNDIAL

 
 
Uma exposição temporária museológica e/ou documental sobre este tema da I Guerra Mundial, não seria despicienda no panorama nacional das comunicações. Afinal trata-se de um marco fundamental - um centenário. Simultaneamente a criatividade deveria apelar a soluções que permitissem veicular a ideia de que as guerras são demasiadamente caras, cheias de horrores, e convirá fazer tudo para evitá-las. As tecnologias e a prosperidade podem/devem ser desenvolvidas em entendimento e paz. Daí que:
“Falar é uma necessidade, escutar é uma arte.” (1)

Completa-se no ano de 2014 o centenário do assassinato do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro. À partida tratou-se da revolta da parte de nacionalistas anti imperialistas. Deu diretamente a cara no assassinato do arquiduque e sua esposa, um tal estudante sérvio-bósnio de nome Gavrilo Princip que pertencia à organização “Mão Negra”, tradicionalmente considerada uma associação criminosa. Contudo, outras interpretações são plausíveis, tal como aconteceu com o regicídio do nosso rei d. Carlos e o príncipe real d. Luís Filipe, em 1908.

Entre outras causas da génese e evolução dos acontecimentos refere-se os interesses imperialistas da Alemanha; Áustria-Hungria, Rússia, Inglaterra, França, Itália, Império Otomano e territórios coloniais. Deste cadinho de interesses geraram-se alianças antagónicas e deu-se a tragédia que se estendeu por quase todo o planeta, englobando Portugal a quem eram disputados territórios em África. O final da Guerra só se verificou em finais de 1918 quando já se haviam perdido cerca de 19 milhões de pessoas, para lá de um grande exército de inválidos, destruição de cidades, vilas e aldeias, bem como um sem número de equipamento militar e civil.

As comunicações no tempo de guerra e o seu controle

O transporte de mensagens por estafeta particular e por correio institucionalizado tornou-se particularmente difícil com a destruição ou desativação de equipamentos. Foi preciso procurar alternativas ao correio clássico, à telegrafia e à telefonia fixa. Um exemplo: “[…] quando começa a 1ª Guerra Mundial, Londres corta o cabo alemão na Horta [ilha do Faial-Açores] poucos minutos depois da declaração de guerra e passa a usar o cabo [telegráfico] inimigo para os seus fins próprios”(2).

Em Portugal a telegrafia elétrica havia sido inaugurada, em 1855 com energia de pilhas precursoras de tipo Daniell. Cada fonte de alimentação era constituída por dois vasos de vidro, um elétrodo de cobre e outro de zinco (3).

As comunicações à distância utilizavam, grosso-modo, o código morse e a transmissão à distância fazia-se por meio de fios de cobre. Em certos casos utilizavam-se fios de ferro zincado, quando o cobre era caro e escasso, especialmente durante o período da guerra. Mas outras soluções estavam em curso com códigos automáticos ou mesmo sem necessidade de códigos. Portugal contribuiu para a evolução dos telégrafos Hughes e Baudot, relativamente fáceis de utilizar porque dispensavam o código na emissão e receção (Hughes) e na receção (Baudot).

No contexto de guerra a radiotelegrafia e a radiotelefonia apresentaram-se como soluções ideais porque dispensaram o equipamento de transmissão (linhas e postes) exposto às intempéries e às forças inimigas.

A segurança e a conferência de Londres

Para ajudar nas comunicações a longa distância realizou-se, talvez premonitoriamente! em 1913, a “Conferência de Londres para a Segurança no Mar”. A utilização da Telegrafia Sem Fios foi o tema privilegiado neste evento.

Em relação a Portugal, Guglielmo Marconi visitou três vezes o nosso país. Iniciou o primeiro acordo entre o Governo e a companhia Marconi`s Wireless Telegraph Company Limited; acordo este debatido na Câmara dos Deputados e no Senado. Estávamos em pleno Verão de 1912, porém encalhou com o ambiente tenso da época de pós-revolução republicana e o mesmo acordo acabou por não ser cumprido. Entretanto surgiu a guerra a que a jovem I República portuguesa fez questão de aderir, quer para se credibilizar no contexto das nações, quer como medida preventiva para posteriormente usar de força reivindicativa em relação à  integridade do território. Estavam em causa, as colónias ultramarinas.

Como as guerras se ganham essencialmente com organização e equipamento, incluindo o de telecomunicações, Portugal apresentou então algumas evoluções e inovações para o desenvolvimento da rede heliográfica, fabricando heliógrafos e lanternas de sinais.

A Lanterna de sinais morse e outro equipamento de campanha

Foi especialmente concebida para de noite quando outra forma de telecomunicação não tinha aplicação, tal como a telegrafia aérea/visual, também dita semafórica. A utilização das lanternas em meios militares pressupõe que o inimigo não tenha acesso à visibilidade dos sinais mas em caso de dúvida, as mensagens consideradas de importância para a segurança, podiam recorrer à criptografia. Vário outro equipamento foi desenvolvido por via da guerra e dos Exércitos que estiveram nos teatros de operações. O fullerphone (4) por via radioelétrica e outros equipamentos mistos de fonia e grafia sucederam-se, compactando-se e proporcionando maior mobilidade aos especialistas das transmissões.

Pombos-correios / colombofilia

Outro meio de comunicação, especialmente em tempo de guerra foi a proporcionada pelo mundo da columbofilia, através do transporte de mensagens - pombogramas. Como o nome indica, pequenas mensagens eram transportadas pelos pombos-correios (5) levando os telegramas acondicionados e presos por uma anilha a uma pata.
(Imagem clássica sobre lançamento de pombos-correio. Cópia in Arquivo da Fundação Portuguesa das Comunicações)

Uma rede de pombais militares foi criada no território nacional antes da deflagração da guerra e reforçada depois do início da mesma. “Em 1918, Portugal usou  pombos-correios para informar a detecção de submarinos alemães entre a Madeira e o Porto Santo” (6).

Com o fim da guerra, o dispositivo columbófilo militar esmorece, até ser extinto, mas decorrido aproximadamente um século foram reintroduzidos 25 pombos-correios num pombal no Quartel de Transmissões em Sapadores, Lisboa, vivendo ali com cuidados de limpesa, vacinação e alimentação. Os responsáveis consideram que - em caso de emergência e catástrofe nos satélites, centrais e linhas de telecomunicações - os pombos-correios podem ser um  importante recurso nas comunicações; coadjuvados, eventualmente, com pequenos postos de radioamadores e da banda hertziana do cidadão (CB) (7).

******* P.S. O autor deste blogue é sócio do  Grupo de Amigos do Museu das Comunicações. Foi colaborador dos CTT, Museu dos CTT, PT, ICP-Anacom, Fundação Portuguesa das Comunicações, Museu das Comunicações e, pontualmente, da coleção/Casa das Máquinas Falantes. A nível associativo colaborou ainda com a BAD - Associação dos Bibliotecários Arquivistas e Documentalistas, como coordenador de Grupo de Trabalho, e com o Conselho Superior de Bibliotecas Arquivos e Museus através da BAD.

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  1. Frase atribuída a Johann Wolfgang von Goethe, um dos maiores poetas alemães.
  2.  Cf. Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta - O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos – Ed. do A. Horta, 2011, p. 19
  3. Este tipo de pilha foi desenvolvida pelo investigador de Física e Química, o britânico John Frederic Daniel em 1836, constituindo uma importante fonte de energia, antes da invenção da pilha seca tipo Leclanché e da eletricidade proveniente de dínamos geradores.
  4. Fullerphone. A designação vem do inglês phone = telefone e Fuller = nome do Maj Gen inglês A. C. Fuller. Trata-se de um equipamento misto de grafia e fonia, acondicionado numa pequena caixa compacta e utilizando regra geral o código morse. Como funcionava via radioelétrica, o sucesso foi garantido, dando origem a várias versões a partir do modelo original.  
  5. Presume-me que o pombo-correio tenha, embora em sentido figurado, uma bússola e/ou detetor magnético que lhe permite regressar ao local de origem, muitas vezes a várias centenas de quilómetros. Além da orientação os pombos têm capacidades cognitivas reconhecendo figuras humanas, meios de transporte, locais e horários dos tratadores.
  6. Cf. FARIA, Isabel, ob. cit., p. 44-46
  7. A sigla CB significa Citizen Band, em ingles, ou Banda do Cidadão em Português. Funciona na faixa de frequências radioelétricas dos 26,965 a 27,405 mhz. Esperamos que este recurso não venha a ser necessário em cenários  de catástrofes naturais, nem de guerra.
     
    Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo et al. - FPC: Museu das Comunicações - Vencer a distância: Cinco séculos de comunicações em Portugal. Lisboa: FPC; Norprint, SA, 2005

-FARIA. Isabel - “Exército de pombos-correios em Lisboa” in Revista de Domingo do Correio da Manhã, 29.1.2012

-FARIA, Miguel Ferreira de - Marconi 75 anos de comunicações internacionais. Lisboa: Companhia Portuguesa Rádio Marconi, SA ; Printer Portuguesa, Ldª, 2000

-FONSECA, Moura da - As comunicações navais e a TSF na Armada: Subsídios para a sua História (1900-1985). Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 1988

 

-FULLER,,A. C.; LOUIS, Meulstee`s (web site) – “Wireless for the warrior”  in  http://www.wftw.nl/ful.html, acedido em 3.7.2014

-InfoEscola – “Pilha de Daniell” - http://www.infoescola.com/quimica/pilha-de-daniell-pilha-eletroquimica/, acedido em 2.7.2014

- OndaLivre.com “Banda do Cidadão CB” in http://www.ondalivre.com/cb.htm, acedido em 4.7.2014

-PAÇO, Afonso do - As comunicações militares de relação em Portugal: Subsídios para a Sua História. Lisboa: Ottosgráfica. Ltd., 1938

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